Nenhuma música é tão doce quanto o riso de uma criança.
Dia desses, passeava pelo centro de Porto Alegre quando vi uma mãe retirando os sapatos do seu menino para que ele caminhasse na praça colorida pelas pétalas dos jacarandás e guapuruvus. O piá pisou nas flores despedaçadas e riu um imenso riso, solto e cristalino, como se sentisse a mais prazerosa das cócegas.
Foi só um instante de magia, mas alegrou o meu dia. E me fez lembrar um trecho do célebre poema da norte-americana Nadine Stair, equivocadamente atribuído ao argentino Borges:
Se pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono...Há quem torça o nariz para a singeleza do texto, mas não havia legenda mais adequada para aquela cena matinal: o pequeno príncipe do cotidiano, com o seu riso de fonte, contagiava quem estivesse por perto.
Cheguei de alma leve ao trabalho e testemunhei outro momento especial no elevador. O sujeito que entrou atrás de mim segurou a porta aberta para dar passagem a um casal de jovens, ele e ela carregando pesados pacotes de jornais. Como os passageiros não podiam usar as mãos para pressionar o botão do andar desejado, o homem perguntou com um vozeirão de locutor esportivo:
- Para onde, mulato?
Quando o rapaz disse que iriam "para o quarto", o cidadão desatou num riso malicioso que encheu o elevador e espalhou-se pelo corredor no momento em que os dois jovens desembarcaram constragidos.
O terceiro instante diferenciado daquele dia ocorreu num lugar ainda mais inusitado, o banheiro do prédio. O rapaz que limpava pias e sanitários assobiava o hino de seu clube preferido.
E trabalhava com entusiasmo, embalado pelo som do próprio sopro, talvez imaginando-se no estádio que nunca frequentou, vassoura-bandeira nas mãos, a bola-balde rolando na direção do gol adversário e ele dançando na imaginária arquibancada a solitária dança dos vencedores.
Ninguém é feliz o tempo inteiro, sei disso. Mas a vida também não precisa ser um vale de lágrimas. Ao observar três personagens comuns de um dia absolutamente rotineiro, renovei minha certeza de que a verdadeira felicidade consiste em saborear pequenos momentos, em compartilhar os breves risos dos nossos semelhantes ou mesmo em acompanhar os primeiros passos de um menino descalço sobre um tapete de flores.
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